Engenharia e sociedade
- Vitor Lorival Kudlanvec Junior

- 4 de nov.
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O engenheiro perante à sociedade goza de confiança intrínseca. Isso é observado quando subimos ao vigésimo andar de um edifício, atravessamos uma ponte ou viajamos de avião, pois não costumamos questionar se as estruturas que utilizamos são realmente seguras, exceto quando há anomalias visivelmente reconhecidas. Este contrato entre o engenheiro e a sociedade foi firmado através de longos anos de evolução técnica e científica da profissão, que permitiu que as construções fossem edificadas e a sua grande maioria não entrasse em colapso.
Não é incomum vermos notícias de construções desmoronando, devido a vários fatores. Em sua grande maioria, estas são edificações concebidas sem o conhecimento técnico de um profissional da área, apenas pela experiência de pessoas que “sempre fizeram desse jeito e deu certo”, além da ousadia de proprietários que acreditavam que daria para erguer um andar a mais, ou pelo desejo incontrolável de economizar em fundações. Essas pessoas, nesses casos, assumem o risco e este contrato de confiança não se abala. O problema maior é quando as construções devidamente calculadas e acompanhadas por profissionais colapsam, e isso sim acaba ferindo a confiança da sociedade na engenharia. Casos emblemáticos, como o desabamento do Edifício Palace II, no Rio de Janeiro, em 1998 — que vitimou pessoas e expôs falhas graves de execução e fiscalização —, o colapso parcial da ponte sobre o Rio Tocantins, na divisa com o Maranhão, em 2024, e o acidente no Estádio da Fonte Nova, em Salvador, em 2007, no qual a arquibancada cedeu durante um jogo, resultando em várias mortes, reacendem o debate sobre a responsabilidade técnica e o dever ético de zelar pela segurança das obras. Outros episódios marcantes, como o colapso da ciclovia Tim Maia (Rio de Janeiro, 2016), o rompimento da barragem de Brumadinho (2019) e o desabamento do viaduto da Marginal Pinheiros, em São Paulo (2023), mostram que mesmo em um país com normas consolidadas, a negligência e a pressa continuam sendo inimigos silenciosos da boa engenharia. No cenário internacional, tragédias como o colapso da ponte Morandi, em Gênova (Itália, 2018), e o desmoronamento do condomínio Champlain Towers South, em Surfside (EUA, 2021), reforçam que o desafio da integridade estrutural e da manutenção preventiva é universal. Cada cálculo mal-feito, cada inspeção negligenciada e cada decisão apressada comprometem não apenas estruturas, mas vidas, reputações e o próprio prestígio da engenharia como ciência e profissão.
A formação do engenheiro não se limita à aquisição de conhecimentos matemáticos e científicos. Ela exige também uma sólida base humanística, que o capacite a compreender o impacto social, ambiental e econômico de suas decisões. O cálculo de uma viga ou a escolha de um material não são atos neutros: envolvem valores, prioridades e consequências que atingem diretamente a vida das pessoas. Por isso, a engenharia deve ser ensinada e praticada como uma vocação de serviço, onde a técnica se coloca a serviço do bem comum e não da vaidade ou do lucro imediato.
Outro ponto essencial é o compromisso com a sustentabilidade. O engenheiro contemporâneo precisa enxergar além da obra pronta — deve compreender o ciclo de vida das construções, o destino dos resíduos, o consumo de energia e a durabilidade dos materiais. Projetar com consciência ecológica é, hoje, um dever ético inescapável. A engenharia que ignora o meio ambiente compromete não apenas o presente, mas a própria sobrevivência das futuras gerações, ferindo o princípio da responsabilidade intergeracional que deve orientar toda ação técnica.
Por fim, é necessário resgatar o sentido de honra profissional. O título de engenheiro carrega consigo uma responsabilidade que não pode ser relativizada por conveniências econômicas ou pressões externas. O verdadeiro engenheiro é aquele que sabe dizer “não” quando uma decisão compromete a segurança, a ética ou a verdade técnica. Sua lealdade primeira é com a sociedade e com a integridade da obra, não com o contratante ou com o cronograma. A grandeza da engenharia está justamente em sua capacidade de unir ciência, caráter e coragem moral em favor do bem comum.
A engenharia, em sua essência, é uma ciência aplicada ao serviço da vida humana. O engenheiro, portanto, não é apenas um executor de cálculos e projetos, mas um guardião silencioso da segurança e do bem comum. Cada estrutura erguida, cada sistema dimensionado e cada solução proposta representam um pacto de confiança com a sociedade — um compromisso que transcende o âmbito técnico e se estende ao campo ético.
Quando o profissional da engenharia atua com consciência, zelo e respeito às normas, ele reafirma a credibilidade conquistada pela profissão ao longo de séculos. Porém, quando se omite diante da negligência, da improvisação ou do descuido, fragiliza não apenas uma obra, mas o próprio alicerce moral que sustenta o exercício da engenharia.
Em tempos de avanço tecnológico e imediatismo, é preciso lembrar que a engenharia continua sendo, antes de tudo, uma arte moral: aquela que busca o equilíbrio entre a eficiência e a responsabilidade, entre o progresso e a prudência. A sociedade confia no engenheiro — e essa confiança é, ao mesmo tempo, um privilégio e um dever que deve ser honrado com retidão, competência e consciência ética.




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